A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 17 de julho de 2025, que impôs medidas cautelares ao ex-presidente Jair Bolsonaro, representa uma inflexão institucional de alta relevância. Não se trata apenas da contenção de uma conduta individual, mas da afirmação de que o Estado de Direito permanece como cláusula inflexível da ordem constitucional. O ponto de partida da fundamentação é claro: “a soberania nacional não pode, não deve e jamais será vilipendiada, negociada ou extorquida”.
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A imputação: do curso processual à soberania nacional
A conduta de Jair Bolsonaro, segundo a decisão, insere-se em um contexto mais amplo de tentativa deliberada de obstrução da Justiça brasileira, em especial do julgamento da Ação Penal 2.668. Os fatos narrados apontam para a prática dos crimes de coação no curso do processo (art. 344 do CP), obstrução de investigação de organização criminosa (art. 2º, §1º da Lei 12.850/13) e atentado à soberania nacional (art. 359-I do CP). As ações são descritas como “atos hostis derivados de negociações espúrias e criminosas de políticos brasileiros com Estado estrangeiro”, voltadas à obtenção de impunidade penal.
O elo probatório e o alinhamento funcional
A decisão menciona “fortes indícios do alinhamento do réu Jair Messias Bolsonaro com o seu filho, com o claro objetivo de interferir na atividade judiciária”. Isso inclui a confissão do repasse de R$ 2 milhões por PIX, a realização de reuniões com autoridades estrangeiras e a participação ativa em redes sociais promovendo sanções contra o Brasil. O voto identifica “clara finalidade de coagir esta Suprema Corte no julgamento da AP 2.668/DF”. Não se trata de conjectura política, mas de uma narrativa construída com base em elementos concretos de prova e confissão.
A instrumentalização de sanções internacionais como obstrução
O voto enfatiza que o comportamento do réu excede o campo da liberdade de expressão e ingressa no domínio da sabotagem institucional. Bolsonaro e Eduardo teriam atuado “em conjunto para impor sanções econômicas ao Brasil como forma de gerar pressão política e social sobre o Poder Judiciário”. Tal conduta, segundo o ministro relator, corresponde a “uma inédita tentativa de submeter o funcionamento do Supremo Tribunal Federal ao crivo de outro Estado estrangeiro”, com graves impactos sobre a soberania, a economia e o devido processo penal.
O fundamento das medidas cautelares: há prisões por muito menos
A imposição de medidas alternativas à prisão baseou-se na demonstração de risco concreto à instrução criminal e à aplicação da lei penal. A decisão invoca precedentes do próprio STF e destaca que “o comportamento reiterado e publicizado […] mediante o emprego de medidas para obstruir o curso seguro do processo” justifica a adoção imediata das cautelares previstas no art. 319 do CPP. A gravidade dos fatos e sua continuidade afastam qualquer leitura minimalista da intervenção judicial. Por muito menos, há milhares de presos no Brasil.
Conteúdo e extensão das cautelares: tornozeleira foi pouco?
Foram determinadas, entre outras medidas, o uso de tornozeleira eletrônica, o recolhimento domiciliar noturno e integral nos fins de semana, a proibição de contato com autoridades estrangeiras, de acesso a sedes de embaixadas e de utilização de redes sociais. Além disso, autorizou-se busca e apreensão pessoal, domiciliar e digital, com expressiva amplitude probatória. O voto explicita: “As medidas são imprescindíveis […] para evitar o desaparecimento das provas dos supostos crimes e possibilitar o esclarecimento dos fatos”.
A proteção da jurisdição diante da chantagem política
O voto é categórico ao afirmar que “a legislação brasileira é suscetível de modificação, mas não de desataviado desprezo”. A tentativa de condicionar a cessação de sanções econômicas à concessão de anistia penal escancara, conforme a decisão, “a confissão voluntária de atuação criminosa na extorsão que se pretende contra a Justiça brasileira”. Tal conduta, por sua natureza, não pode ser compreendida como mera retórica política. É, em tese, continuação delitiva contra a ordem constitucional.